14.2.13

Preparando-me para conhecer o mundo (1)

As coisas sempre acontecem de maneira repentina em minha vida. Nunca menciono que foram “do nada”, pois acredito que “nada acontece por acaso”.

Recordo-me de ter iniciado os estudos budistas ainda quando era jovem. Acreditava na lei de causa e efeito. Isto me levava a crer que um dia iria encontrar muitas coisas boas por meu caminho, me reconhecia como uma boa pessoa: solidária e prestativa com todos. Sonhava em ter uma formação profissional que me favorecesse o contato com o ser humano. Queria ser dentista, talvez por ter trabalhado como assistente odontológica em meu primeiro trabalho oficial, ainda na adolescência. No final acabei indo cursar Psicologia, profissão que exerci por muitos anos com muito amor, antes de atravessar o Atlântico para viver com meu marido em outro país.

Minha infância foi marcada por momentos tristes e desanimadores por causa de algumas dificuldades familiares. Minha mãe, com muita força e coragem, enfrentou a situação e nos ensinou a ir à luta, mesmo que isto nos tenha custado pular uma fase da vida.

Não me lembro das brincadeiras com bonecas, de escutar um conto lido por meu pai ou de me reunir com amigas para brincar como realmente brincavam as crianças. Mas lembro-me de estar atrás de um balcão, numa cantina de escola, a mesma que eu estudava, e de vender bolos, salgadinhos e lanches deliciosos feitos por minha mãe e minha tia. Juntas elas tiveram por 15 anos a cantina desta escola.

Minhas amigas de classe combinavam na aula as brincadeiras para a hora do recreio, mas eu nunca podia participar, pois tinha que trabalhar para ajudar minha mãezinha querida. Foi com este trabalho que ela conquistou sua tão sonhada casa, nosso lar, com muito sacrifício nesta empreitada.

Orgulhava-me disto, mas no fundo também havia um pouco de tristeza, porque me sentia inferior quando escutava as amigas comentando sobre as riquezas de seu dia-a-dia. Não cultivei este sentimento por muito tempo em meu coração, decidi deixar a vida me levar. Deixei as coisas acontecerem naturalmente, pois no fundo sabia que iria chegar a algum lugar, que aquele tempo duro logo se transformaria e me traria mais contentamento.

Entre o trabalho na cantina, os estudos e os esportes que sempre gostei de fazer, resolvi encontrar uma maneira de me permitir usar roupas mais bonitas, fazer passeios e tomar o sorvete no fim de semana, coisas que minha família, no árduo trabalho para a sobrevivência, não me podia permitir.

Comecei a juntar jornais velhos e caixas de ovos para vender aos feirantes da minha cidade: naquela época, não se usavam sacos plásticos e a feira era na rua da nossa casa. Passava a semana visitando os vizinhos para pedir os jornais e as caixas de ovos vazias. Na sexta acordava às 5 da manhã para levá-los aos feirantes que me pagavam com moedas que me faziam sonhar com o sorvete de domingo.

Não demorou muito tempo e um dos feirantes me ofereceu trabalho em sua barraca. Lá fui eu vender frutas e legumes. Minha mãe no fundo não gostava daquela situação, mas sabia que aquilo me fazia bem, então me deixou trabalhar algumas horas com os feirantes, mas logo tinha que voltar para casa para ajudá-la e estudar.

Foi neste meio de trabalho que também ofereceram um carrinho de churros para minha mãe e ela resolveu colocá-lo na porta de nossa casa para a venda de churros. Na nossa rua passavam os estudantes depois da escola, e ali meus colegas de classe me encontravam também, ajudando minha mãe a vender seus deliciosos churros e a engrossar a verba da família.

O tempo foi passando, meu pai chegava em casa bêbado a cada mês que terminava, com o bolso vazio. Ele não era de todo ruim, pois dividia a maior parte de seu salário com minha mãe para os custos da família, mas o que sobrava ele gastava com a bebida. Bebia tudo no buraco da onça, um bar popular em nossa cidade, e com certeza pagava também as branquinhas para seus amigos. O dia que seu time de futebol de coração perdia, ele quebrava a televisão ou o rádio. Lembro-me disso ter acontecido várias vezes... E minha mãe tinha que trabalhar ainda mais para comprar uma nova e repor a quebrada, ao menos para se permitir o prazer de assistir a novela das oito.

Com 14 anos comentei com minha mãe que gostaria de ter um trabalho mais digno, queria ser secretária, trabalhar num banco ou algo assim, foi então que meu pai conversou com um amigo dentista e me conseguiu um trabalho de auxiliar odontológica. Trabalhei por dois anos e meio neste consultório, recebendo menos que um salario mínimo, sem carteira assinada, porque era menor de idade. Trabalhava à tarde e estudava pela manhã. Coitadinha da minha de mãe, precisou encontrar outra ajudante, já que meu irmão tinha vergonha de ajudá-la na cantina, mas ela conseguiu com minha tia e alguns primos se virar bem sem minha ajuda. E me fez feliz porque pude conhecer outros trabalhos e pessoas, e assim amadureci para a vida que me chamava.

Por ser muito batalhadora e correr atrás para ajudar minha família e a mim mesma, era muito perseguida por meu pai e meu irmão, que não entendiam minha audácia de ir à luta, de querer conhecer mais, de querer participar mais na sociedade, de ir à festas, fazer viagens, enfim, de querer descobrir o mundo. Nesta fase me senti muito repreendida por eles. Decidi que quando fizesse 18 anos sairia de casa e buscaria meu lugar ao sol, longe das rédeas familiares.

Este período foi um pouco conturbado, me fez amadurecer e acreditar em meus sonhos. Criei forças para conquistar uma graduação escolar e também para apagar de minha mente a frase que um dia escutei da minha mãe: “filho de pobre não faz faculdade”. Ainda bem que, ao menos para mim, não foi verdade.

Tudo isto foi muito importante para me dar um empurrão para a vida fora da minha cidade, que era muito pequena e não oferecia bons cursos ou trabalhos para os jovens. Talvez se tivesse conseguido tudo com facilidade, teria estacionado por lá até hoje. Não teria descoberto tanta coisa que me transformou, que lapidou minha personalidade e que me fez ser mais interessada por outras culturas, outros idiomas e muitas coisas mais que me levaram até onde estou hoje.

Você aos pouquinhos, de post em post, descobrirá um pouco destas passagens da minha história.

Esta é uma das poucas fotos que tenho da minha adolescência. Naquele tempo minha família não tinha máquina fotográfica. Esperávamos um fotógrafo da capital passar para fazer fotos e registrar algumas famílias. Esta foi tirada para a carteirinha do grupo escolar. Na época, detestava meu cabelo curto, e sofri muito bullying com ele, hoje em dia tenho cabelo longo e lindo, que cuido com muito carinho

Esta foi uma das medalhas que conquistei na equipe de natação do município, mas a minha maior medalha foi ter conquistado o direito de treinar no clube onde só entravam os filhos dos funcionários da Petrobras. Ultrapassei mais um preconceito, pois era filha de um funcionário público. Batalhei e consegui com muitos treinos uma carteirinha de sócia-atleta do Tebar Praia Clube. Sinto orgulho por ter cooperado com algumas medalhas não só na natação, mas no voleibol e no tênis também, no clube da minha cidade.
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