22.5.13

Preparando-me para conhecer o mundo (2)

Uma semana antes de completar 18 anos, me organizei para ir estudar em outra cidade, onde outras amigas também estudavam, e que estava apenas a 150 km de distância da minha terra natal. Fui morar numa república, como chamávamos na época, era uma casa onde viviam vários estudantes. Morava com mais cinco amigas, num espaço muito pequeno, uma quitinete. Todas trabalhávamos durante o dia e estudávamos à noite. Espalhávamos nossos colchões no chão à noite para descansar o corpo moído pela batalha diária. Fazia um curso técnico de secretariado, trabalhava numa construtora e, nas horas vagas, descia uma avenida grande na contramão pedalando minha bicicleta Ceci, com uma cestinha cheia de sanduíches naturais para vender no CTA, um grande órgão da Aeronáutica. Uma amiga que trabalhava por lá foi quem me indicou. Seus amigos esperavam meu delicioso sanduíche, muito bem feito com amor e muita fé, pois eles rendiam o valor da passagem de ônibus para visitar minha mãe no fim de semana.

Antes de subir à serra para iniciar minha independência, fui “Garota Bradesco”, ou seja, uma recepcionista do banco. Também trabalhei como secretária de uma construtora e atendente de uma loja de fotocópias, onde revelava cópias heliográficas para os arquitetos e engenheiros da minha cidade. Estas cópias renderam alguns namoros, além de algumas intoxicações pela amônia, a substância usada no processo de revelação das cópias. Acho que ficávamos doidonas respirando aquele cheiro todos os dias.

Fui vendedora de biquínis por cerca de 10 anos. Viajava para o Rio de Janeiro todo os meses para comprar os biquínis mais transados da época. Tinha uma moto XL 125 e rodava os 100 km de praia de São Sebastião, minha querida cidade, para vender a domicílio os biquínis e sungas que eram desfilados nas lindas praias da nossa cidade. Tinha ótimos e fieis clientes. Fui também vendedora de sanduíches naturais na praia. Fazia isto com uma amiga querida e batalhadora. Acordávamos às 5 da matina para preparar os sanduíches bem saudáveis para vender nas praias mais animadas da redondeza. Carregávamos a caixa de isopor cheia de saladas de frutas e uma cesta completa com os sanduíches. Em dias de agito, vendíamos tudo rapidinho, assim nos sobrava tempo para dar bons mergulhos, jogar uma partida de vôlei e bater papo com os amigos. Mas em dia de marasmo, sofríamos para poder vender ao menos uma quantidade que pagasse nossos gastos.

Que vidinha dura! Ralamos muito embaixo do sol quente, mas fico feliz ao lembrar que minha matrícula na faculdade foi paga com o dindin de um bom trabalho de vendas durante o carnaval. Perdi os bailes e as escolas de samba, mas garanti meu lugar ao sol na Universidade Brás Cubas. Trabalhei também como contato publicitário, vendendo espaços numa revista regional. Certamente devo ter feito mais atividades até conseguir entrar na faculdade de psicologia. Também tive que trabalhar durante o dia para pagar a universidade à noite. Trabalhava como promotora de vendas do único hotel executivo da cidade de Mogi das Cruzes.

Só com lembrar de tudo isso já fico cansada, mas naquele tempo não sabia o que era cansaço. Tinha a garra e a gana de chegar lá... Mas “lá” aonde? Talvez chegar até aqui, onde me encontro hoje. Este lugar em que, por ironia do destino, não posso trabalhar. Na Arábia Saudita as mulheres não têm este direito. Aliás, não tem direito a trabalhar, não podem dirigir e muitas outras coisas mais. Mas isto já é outra história, para contar em outros post!

Tenho poucas fotos das minhas batalhas profissionais. Esta foi num evento onde promovia uma loja de motos. Sempre que aparecia oportunidade, trabalhava como promoter. Fazia tudo para entrar um troquinho na bolsa da sobrevivência.

Participava também em alguns eventos solidários, como por exemplo, desfilar para as lojas da cidade, em benefício de alguma instituição. Tinha um bom corpo e uma personalidade desinibida, por isso era muito solicitada para a passarela.

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15.5.13

Curiosidades da vida em Sandlândia (2)

Aqui segue mais um pouquinho sobre minha vida na Sandlândia.

Além das belas flores, no condomínio também existem lindas pessoas. Vivi 8 anos na Bélgica, mas é aqui em Sandlândia que tenho o mais íntimo contato com uma belga. Uma descendente de coreanos, nascida na Bélgica e que mora aqui como expatriada. Esta linda pessoa é capaz de me fazer voltar a Bélgica, para matar a saudade das delícias culinárias, como o “kass kroket”, um croquete de queijo, e a torta ganache de chocolate belga. 


Os chocolates belgas são preciosidades em qualquer canto do mundo, aqui no deserto é um tesouro. Hum, que maravilhas! Sou feliz por ter encontrado uma amiga belga tão doce por aqui. 



Os dades, ou tâmaras, são comuns no condomínio; encontramos espalhadas por toda orla tamareiras lindas, que dão estes frutos, tão consumido e apreciados por aqui. Comparo aos nossos coqueiros no Brasil, pois sao muitos e permitem uma atmosfera especial.


A água do Golfo Pérsico é muito salgada, por isto nos dá o grande poder de flutuação. Ainda que você não saiba nadar, é passível boiar gostoso, num relax quentinho, como se estivesse num gigantesco ofurô, pois a temperatura chega até 30 graus. Está água salgada, favorece o stand up paddel, o esporte que adotei por aqui. 
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Festas latinas em Sandlândia


Como mulheres estrangeiras vivendo em Sandlândia, e apesar de termos uma vida muito limitada por aqui, preciso reconhecer que curtimos muitos momentos em festas, reuniões e almoços.

Se estamos entre amigas, ou ao menos colegas, nos entendemos só com o olhar. Já sabemos, miramos uma à outra, esperamos elegantemente e tin-tin! Apesar de me comunicar bem em inglês e ter iniciado agora o francês, sinto-me mais à vontade ao lado das amigas latinas, que falam espanhol nos encontros e nas festas. Por isto sempre menciono as latinas, na verdade, são minhas amigas da Bolívia, Venezuela e Espanha.

Precisamente nestes encontros, a boa compreensão dos assuntos conversados muitas vezes facilita e oferece algumas vantagens, principalmente quando queremos criar uma atmosfera mais próxima a que estamos acostumadas no Ocidente, mais relaxada... Sempre aproveito muito estas ocasiões com as latino-americanas. Solto meu portunhol e me faço entender.

Isto não acontece quando estou só com amigas árabes, ou com algumas outras estrangeiras, como por exemplo, algumas francesas e paquistanesas que também vivem no mesmo condomínio. Acho que elas realmente são fervorosas às regras. E, de um modo geral, as anfitriãs não fogem à regra com elas. A turma mais relax logo detecta quando há alguma birita caseira, elaborada a partir de suco de uva, a partir de um método que, infelizmente, não posso revelar. Aliás tenho que me policiar quando escrevo sobre muita coisa que acontece por aqui.

O álcool está proibido na Arábia Saudita, e ser encontrado bêbado pode causar graves problemas. Isto se deve à religião. O Islamismo impera no país e a leis são criadas respeitando seus mandamentos. O Islã é uma fé voltada para a comunidade. Não há lugar para o indivíduo fazer o que quer, se isso prejudica aos demais. No Alcorão os intoxicantes e o jogo são considerados abominações de Satanás e se ordena evitá-los.

O Alcorão é um livro de orientação enviado para toda a humanidade. É um conjunto de instruções do Criador para sua criação. Se seguirmos essas instruções nossas vidas serão fáceis e tranquilas, mesmo em face de desastre e desgraça (Alcorão 5: 90).

Na verdade, vejo muitas proibições decorrentes da religião, mas também vejo muito desrespeito ao ser humano. Vocês não imaginam como eles são loucos no trânsito. Não respeitam os sinais fechados e os limites de velocidade, tudo isto aliado à falta de eficiência na direção. Escreverei sobre isto num outro momento.


Minhas colegas venezuelanas, bolivianas e espanholas, além de uma de porto-riquenha, moram aqui pelos mesmos motivos: estão acompanhando os maridos que vieram a trabalho. A Venezuela é um grande país empreendedor da indústria petrolífera. Na atual crise, com o regime do ex-presidente Chaves, que segundo minhas amigas, desfavorecia à classe média, muitos engenheiros e projetistas optaram por exercer suas profissões aqui no deserto.

Meu marido é engenheiro eletrônico e trabalha numa empresa de petróleo europeia. Veio como chefe de uma equipe que está construindo uma refinaria de petróleo, na cidade considerada o maior polo petroquímico do mundo. Ele é uma pessoa muito competente e adora o que faz, tem um perfil humanista e é muito competente para lidar com seus funcionários, a maioria de origem indiana e filipina, que executam a parte mais dura do projeto. São eles que enfrentam o calor e as tempestades de areia no local da construção da refinaria.

As mulheres acompanham os maridos, mas sentem muito a diferença cultural. Gostam de se reunir muitas vezes, pelo menos uma vez ao mês, para não perder o costume latino de curtir uma boa comida e uma boa dança. Eu pego carona nestes embalos, quando estou cansada de organizar minhas próprias agitações no condomínio. Afinal, tudo acaba numa boa e com mesa farta, regada a comilanças e bebedeiras, uma pena que 99% seja sem álcool, mas com nosso jeitinho latino de ser, algumas vezes aparece um traguinho para acalentar a alma.

Saindo do nosso condomínio para outro lugar, privado também, para uma Festa Hippie Chic na casa da amiga boliviana.

As tortas sempre são lindas e deliciosas!

Criei esta cortina, que aparece atrás, para que as convidadas depositassem alguma colaboração em dinheiro. Enviamos o valor arrecadado para uma instituição boliviana.

 As músicas dos anos 70 nos embalaram...

 Decoração típica para a Festa Hippie Chic: minha amiga boliviana no comando!

Embaixo da abaya sempre levamos os trajes típicos para cada festa. 

Um brinde é sempre saudável! E com água com menta, para refrescar... 
E viva a Vida, em qualquer lugar por onde andemos!
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9.5.13

Curso de dança flamenca em Sandlândia


Como dizem os espanhóis, a dança flamenca sempre “me encantou”. Vivi em Madrid por quase dois anos, mas com tantas coisas a descobrir nesta linda cidade, não encontrei tempo para estudar e aprender mais sobre o flamenco, dança originária da Andaluzia, uma região muito bonita da Espanha.


Em Madrid conheci uma espanhola bonita e talentosa, que dança muito bem. A convidei para dar aulas no condomínio em que morava e ela topou. Conseguimos juntar muitas mulheres expatriadas para a primeira aula. Todas ficaram muito entusiasmadas mas, finalmente, poucas levaram a dança a sério, e a maioria não se animou a se dedicar a difícil arte de bailar flamenco.

O flamenco é a música e a dança cujas origens remontam às culturas cigana e mourisca, com influências árabe e judaica. A cultura do flamenco é associada, principalmente, à região da Andaluzia na Espanha, assim como as regiões de Múrcia e Estremadura.

O passado do flamenco é regado de dor, perseguição e sofrimento. Fortemente influenciado pelas culturas cigana, mourisca e árabe, o flamenco surgiu pela fusão dessas raízes em um momento histórico difícil. Para aliviar o sofrimento, refletiam na música flamenca o espírito desesperado das lutas, a esperança, o orgulho e a alegria das festas daquele tempo. Muitas das músicas flamencas ainda hoje expressam os sentimentos de desespero, esperança e orgulho desta época, assim como a alegria das festas noturnas. A música mais recente, de outras regiões de Espanha, também foi influenciada pelo estilo tradicional do flamenco. As categorias de flamenco se subdividem em estruturas rítmicas chamadas “palos”, como por exemplo: soleá, malagueña, bulerías, calliano, rumbas, sevillanas, jondo, tientos e tarantas.


Em Sandlândia surgiu a oportunidade de voltar a estudar flamenco. Aqui, em frente ao Golfo Pérsico, temos um salão que nos acolhe duas vezes por semana e nos permite liberar nosso espírito, soltar nossas amarras e vivenciar as gostosas e produtivas aulas com Olga Ravea, nossa querida instrutora e bailarina da Companhia de Flamenco da Andaluzia. Somos seis alunas agora: uma brasileira, duas francesas, uma coreana, uma venezuelana e uma italiana. Mesclamos nossa gana com o desejo de sapatear e deixar fluir a paixão do flamenco.

Nosso grupo dedica-se a dança Sevilhana, que tem expressões fortes e movimentos vigorosos, usando muito os braços e os pés. Para uma brasileira, às vezes estes movimentos se parecem duros demais. Automaticamente nos soltamos, com o gingado e o remolejo das danças brasileiras, onde usamos muito a sensualidade. Mas com muito treino e dedicação, podemos apresentar a dança de maneira autêntica.


Dançamos com saias largas e compridas e usamos sapatos especiais, com um retoque de metal na sola para fazer barulho quando tocamos o solo. Normalmente as dançarinas prendem seus cabelos e maquilam bem os olhos, procurando exibir uma expressão bem apaixonante e em sintonia com a melodia.

Infelizmente nosso curso tem tempo curto, já que nossa querida professora voltará para a Europa, mas tenho certeza que irá bem feliz por ter plantado no coração das latinas, aqui no Oriente, algo especial da sua rica cultura espanhola.


Não há fronteiras nem idade para o aprendizado. Sinto-me como uma adolescente, descobrindo outras alternativas e possibilidades para a vida. Quando realizo os exercícios com os pés, vejo o quanto necessitamos da nossa mente para dançar.

Acho que o flamenco é uma dança passional. Necessitamos representar para dançar. Precisamos nos desligar do mundo externo e deixar as emoções fluírem, embaladas pelas canções, algumas vezes nostálgicas e emotivas, mas sempre com muita paixão.


Ao dançar flamenco, precisamos despertar nossa concentração e coordenação motora, para que ao menos alguns passos e movimentos sejam dignos de se apresentar. Pensando bem, acho que a dança pode ser um bom exercício preventivo contra nosso amigo alemão, o tal do Alzheimer.

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